quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Fechamento Oficial

Por motivos que nem eu sei bem explicar, mudo-me de endereço. Podem continuar lendo minhas solitárias crônicas no blog:

www.blogdoguilhermedecarvalho.blogspot.com


Grande abraço e até lá!

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Como se chama trailler de livro?

"Saí para além de toda a rua e meu bairro é à beira-mar, possui palmeiras muitas que cortam todas as vias, e altas que encostam o nível do cimo dos prédios residenciais. O cheiro de maresia é nauseante, mas continuei caminhando entre condomínios gradeados e árvores imperiais, na tentativa burra de encontrar a resposta para a minha dúvida. Quando cheguei ao final de uma alameda bastante sombreada e fresca, já era possível avistar jovens surfistas indo cair n’água melecados de protetor solar, criancinhas zombando de suas babás, correndo bobas em ziguezague atrás de bolas de plástico e, ao fundo, as obras do emissário submarino, que meio século depois ainda não havia terminado. O sol cambiava para o centro do céu sem obstáculos à sua luz divina, mas não era verão. Em minha cidade, verão é período de chuvas, mas pouca gente repara nisso, pois é mais fácil aceitar a dúbia realidade de que a estação é quente todo o tempo, de dezembro a março. Bem quis me deitar na areia, mas minha pele já vai muito mal tratada de tanto descamar ao longo dos anos. Criei constelações de pintinhas marrons ao redor do pescoço e das costas, como tem a minha mãe, e me envergonho delas. Meu ex-marido adorava enxergar desenhos conhecidos unindo pontos do meu colo, e via elefantes, flores, violões, até cubos inteirinhos por passar horas a cruzar o indicador na minha pele como se fosse uma caneta mágica. Agora eu morava só, nenhum vizinho amigo, nenhum namorado, e um filho morando nos Estados Unidos que ligava de três em três meses para avisar: mãe, tá ouvindo?, é pra dizer que está tudo bem, mês que vem tô aí, beijo. Quase não recebo ligações. Muitos amigos que tive foram se esvaecendo até sumirem por completo. Aquilo ficou na minha cabeça: “sei onde ele está.”, a voz rouca, meu coração acelerado, a garganta cingida, pois ninguém iria passar um trote a uma mulher de meia idade sem nada a perder. Em vez de dizer aquilo, o informante poderia ter dito: me encontre onze horas no motel tal para pagar um resgate, e sem problemas eu iria. Mas andar pelo bairro, ver os surfistas, as criancinhas e as obras do emissário não elucidaram a minha questão. A noite de sábado abria suas primeiras luzes de festa e a brisa da orla trocava de mão. Voltei para casa. E bizarro, havia mensagens e mais mensagens arquivadas na caixa postal telefônica. Oi, aqui é a companhia dos cartões, a senhora poderia retornar a ligação para negociarmos a dívida? Boa noite, sou eu, amanhã posso passar aí pra pegar o que restou das minhas coisas? Ei, atenda, é importante, sou eu, Beatriz; liguei pra você mais cedo e caiu. Mãe, tá ouvindo?, é pra dizer que está tudo bem, mês que vem tô aí, beijo."

(Trecho de "A Pedra do Mangue")

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Na crise, nada como alguns condicionais - II

E se o Lula fosse um agente da CIA? E se sua esposa se chamasse Capitolina? E se Fidel Castro vivesse 120 anos? E se Copacabana inundasse? E se Eva Braun fosse judia? E se o Gabeira voltasse à luta armada? E se houvesse um golpe militar amanhã? E se Dostoievski não tivesse escrito Crime e Castigo? E se aquela sua namoradinha do colégio aparecesse com um filho de dez anos dizendo que é seu – resultado daquela festa do pijama? E se cigarro fosse saudável? E se fizessem a reforma agrária? E se o Chico Buarque resolvesse voltar a estudar, logo na sua classe, e virasse seu amigo de faculdade? E se soja fosse veneno? E se Karl Marx fosse Malthus, e vice-versa? E se o Diogo Mainardi fosse presidente? E se o Vinicius de Moraes não tivesse conhecido Tom Jobim? E se a sua sogra se apaixonasse por você? E se o seu pai fosse gay? E se o seu filho fosse gay? E se você ganhasse o Nobel? E se o JFK não tivesse morrido? E se o Obama fosse brutalmente assassinado? E se o Nelson Rodrigues fosse comunista? E se o Obama fosse comunista? Agora, e se o Obama lesse Nelson Rodrigues?
E se, em vez do Lula, fosse o Serra? E se você tivesse passado para medicina? E se a bolsa não tivesse quebrado em 1929? E se a mãe de Hitler o tivesse abortado? E se Stalin tivesse se apaixonado por uma Srta. Rockfeller? E se o Churchill fosse um medroso? E se a princesa Diana tivesse sobrevivido? E se abrissem os arquivos da ditadura militar? E se abrissem todos os arquivos de todos os períodos? E se o Brasil ainda fosse uma monarquia? E se Duque de Caxias enfrentasse o tribunal de Haia? E se o Rio ainda fosse Guanabara? E se você tomasse coragem e fizesse artes cênicas? E se você fosse o melhor amigo do Brad Pitt? E se celular fosse cancerígeno? E se a Globo falisse? E se, em vez de estar lendo esta crônica assombrada, você estivesse lendo aquele romance empoeirado da estante? E se Osama Bin Laden aparecesse? E se o Bush enfrentasse o tribunal de Haia? E se você fosse estudar na Sorbonne? E se você fosse bom em física? E se você fosse bom em história? E se fosse bom nas duas disciplinas? E se você tivesse estudado no Leblon, morado no Leblon, casasse com a sua vizinha de porta, que também estudou com você, e morresse no Leblon? E se tivesse esse mesmo destino, no Méier? E se o Brasil perder a final de 2014, no Maracanã? E se tivesse ganhado em 1950 e em 1998? E se você tivesse morrido naquele primeiro porre – você achou que ia morrer, vomitou, mas sobreviveu...
E se você não fosse você, fosse um texto, cheio de letras, mas que tivesse um significado?
“Respondendo a metade, você vira ´filosofo´. Deixando todas as questões sem réplica, você continua normal. Agora, se você jamais pensou em nenhuma delas, és - como diria Kipling - um idiota, meu filho.”
(Guilherme de Carvalho)

domingo, 28 de dezembro de 2008

O som sagrado *

Pensar a cultura brasileira é uma tarefa árdua. O mais difícil é ir condensando-a até um denominador comum entre Amazônia e Rio Grande do Sul. Tarefa ingrata esta. Mas algo é certo: a mesma África que deu as batidas para os ritmos caribenhos, nos trouxe o calipso, o axé, o samba e por aí vai.

Identidade, esta palavra ampla e tão vezes desconexa, pode dar a pista ao que procuramos, ou não. Veremos. Porque, um não-brasileiro pode tentar sambar toda a vida e não conseguir, e irá achar a falta de molejo algo exótico. O brasileiro que não sabe sambar se sente mal, um deslocado em seu país. Mais que isto, só quem é brasileiro, mas tupiniquim de verdade, sabe do orgulho que é ouvir Garota de Ipanema em Nova York, ou em alguma cidade interiorana do Paquistão. Think about it.


Tente ouvir “Água de chuva no mar” na voz de Beth Carvalho sem sentir o pé marcando o bumbo e as mãos num compasso afiado. Tente ouvir “Canto de Ossanha” e, logo em seguida, afirmar que você é branco, completamente caucasiano. Não dá. Tente ouvir “Maricotinha”, de Caymmi, sem sentir uma melancolia gostosa, a melancolia verde amarela, a utopia que não veio. Tente cantar “Chega de Saudade” imitando a prosódia de João Gilberto, mas só tente. Tente sambar, simplesmente. Tente fazer um samba. Tente ser Cartola, ser o Belo, por que não? Tente ouvir “Construção”, de você-sabe-quem, sem sentir vontade de fazer a vida valer à pena de fato, sem perder nenhum minuto no marasmo imbecil que é a vida de todo operário, e todos somos operários. Tente sambar, simplesmente. Tente ir ao Sambódromo e ver a terra tremer com o estandarte da Estação Primeira sem se tornar mangueirense ou adotá-la como segunda escola. Tente ouvir pagode sem preconceito, e se conseguir marcar definitivamente onde termina o pagode e começa o samba, me avise, ficarei feliz em saber da sua genialidade musical. O mesmo com a bossa-nova e vá demarcando. Tente ouvir “Águas de Março” e depois tente dizer: é jazz, é jazz, não é samba, não é samba. Tente ouvir Marcelo D2 sem refletir sobre o que é Brasil, sobre o que é nossa música. Tente ouvir Roberta Sá sem pensar: o samba está em boas mãos. Tente sambar, simplesmente.
Se não conseguir fazer metade do que propus, ainda há tempo. Se nunca pensou em nenhuma delas, você é - como diria Kipling - um idiota, meu filho.

*Coluna dedicada ao vigésimo aniversário de Carolina Borges, minha luz.

(Guilherme de Carvalho)

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Cariocas não gostam de dias nublados

Não pára de chover no Rio. Há algo estranho,vão dizer que é o aquecimento global, pois el niño já está fora da moda tem um tempo. Não pára de cair água por todos os lados, em todos os lugares, o Brasil súbito parece estar se transformando num país que só chove. Que explicação? Nenhuma, querido leitor, machadianamente falando.

A cidade (leia-se trânsito) vira e mexe já parava em alguns trechos conhecidos dos cariocas. Agora ela pára por completo. Pode ser o movimento de compras natalinas (salve Lula!), mas acredito mesmo na visão de que o Rio está chegando ao seu limite transitório. Primeiro, porque toda a estrutura arquitetônica da cidade foi feita exclusivamente para dias ensolarados. Segundo, porque a organização das ruas nunca foi pensada, resultando no caos urbano em que estamos atolados até o pescoço. É muita ruazinha e muito carro. Choveu, meu filho, dá merda.

Carioca é aquele tipo de gente que pensa em faltar compromisso porque está chovendo. Acorda, olha pela janela aquela chuvinha gelada e pensa: ah, acho que estou doente. Carioca é o sujeito que mede a chuva. Gotinha nível um, nível dois, nível três, nível quatro... enchente, desabamento de encostas. Carioca é daqueles que pensa que se pode tirar bom proveito de engarrafamento: ah, pelo menos tô admirando a Lagoa! Carioca é um tipo humano que em pleno século XXI acha que o sol tem humor. “O sol ta se escondendo hoje”, “Ih, o sol ta alegre, vistoso...”, ser carioca é padecer no paraíso.

Olha, quem é carioca sabe, chuva, seja ela qual for, dói e é gelada. Carioca que é carioca não tem casaco. Fica sempre naquela de “tenho que comprar um casaquinho pro inverno”. Que inverno, imbecil? Esse inverno nunca chega. Mas pelo andar da carruagem de dezembro de 2008, acho que a coisa está ficando braba. Minhas espinhas doem com o frio. Vinte e dois graus já é calamidade pública, ou, como dizem por aí, é o mundo se acabando.

Sem mais delongas, me despeço. Tenho que sair e adivinhe... Está chovendo. Acho que estou doente. Um guarda-chuva e adeus.
(Guilherme de Carvalho)

sábado, 13 de dezembro de 2008

O dia que o Brasil invadiu a Argentina

Derrubaram a estátua esculpida em pedra do Maradona, oras, foi a primeira atitude. Picharam a casa rosada com os dizeres: perderam as Malvinas, abaixo a Argentina! Quebraram todas as casas de tango e instalaram quadras de escolas de samba baseadas num jogo argentino de apostas em animais, um jogo desconhecido dos brasileiros. Depredaram as escolas, pensaram: há muita gente estudando aqui nesta bosta! Depois foram coisas menores... Obrigaram aos jovens argentinos a leitura do livro de catecismo, trocaram peso por real, abriram mais quinhentos e cinqüenta e sete mil novos botequinhos, implantaram mais treze feriados nacionais (mais nove só para Buenos Aires), entre outras cositas mais (bife de chouriço virou “picanha”).

Depois, teríamos de pensar, afinal, que para transformar outro país no Brasil, consistiria preliminarmente em pensarmos o que (por favor, alguém me ajude agora) tornou o país verde-amarelo no que é hoje. O que quer dizer: para que a Argentina seja o Brasil é preciso fazer o quê? O que quer dizer, na verdade: para que o Brasil seja a Argentina que seja o Brasil é necessário o quê? Complicado, mas coerente. Explico. Troco um novo parágrafo por uma vaga de suplente no senado. Feito. Vamos lá...

A começar pela bandeira, tudo errado. Coisa mais carnavalesca que cismam em nos dizer que significa verde das matas, azul do céu, amarelo do ouro, branco da paz ( essa é ótima!) e ordem e progresso de... ordem e progresso, piada com fim em si mesma. Hino: aula de sintaxe. Quem entendeu já morreu e quem não entendeu, ficou sem entender. Guerras? Um genocídio no Paraguai (coisa de valente, brava gente brasileira) e alguns levantes dentro do território, mas todos esmagados. – Guerras da época colonial não valem, pois as mesmas eram resolvidas por portugueses, como queremos demonstrar – A Argentina, no mínimo, se levantou contra a Inglaterra em 1982. Já a brava gente brasileira, comprou a Independência, comprou o Acre (entre outros pedaços), comprou escravo, comprou a família real, comprou a queda da ditadura militar e só não comprou a língua portuguesa porque esta nos foi dada. A ditadura militar brasileira torturou sem piedade como a argentina, mas não só a esquerda lá era mais ousada e numerosa como as forças armadas eram mais valentes. Já o exército brasileiro... “Braço forte, mão amiga.”

Sem querer comparar, longe de mim, mas se meu texto não é patriótico, vamos à definição de patriotismo para as duas nacionalidades. Para o argentino, patriotismo é: se não estiver bom, um milhão na rua fazendo panelaço e quebrando tudo em Buenos Aires. Para o brasileiro: votar consciente (?) e saber a data do próximo amistoso da seleção brasileira de futebol, que ao contrário do que muitos pensam NÃO é uma instituição oficial, mas a empresa particular das famílias Teixeira, Havelange e Marinho. E está dito.

E capital? Parágrafo curto: quem mora em Brasília? Quantos sobreviveram à Cruzada de ir até lá protestar?

Poderíamos ir mais longe, tocando a ferida com o dedo encardido e sal grosso. Mas melhor não humilhar, só lançar a sementinha do mal. Sou brasileiro, infelizmente; tenho de carregar esta cruz (que Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim carregava até no nome). O que quero dizer de maneira rasa e chula é: antes de xingarmos os argentinos, melhor pensarmos se somos superiores, se temos moral para isso. Refletir também sobre o porquê de não quererem que gostemos deles, sequer nos inspirarmos. E é com o coração apertado que deixo esta crônica. Um piparote e adeus.

(Guilherme de Carvalho)
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"Ser valente é muito mais fácil do que ser homem".
(Julio Cortázar – Escritor argentino)

"Há no PT
a idéia de que ou você é petista ou é calhorda, assim como o PSDB acha que você ou é tucano ou é burro".
(Chico Buarque – artista faz-tudo genial brasileiro)