domingo, 28 de dezembro de 2008

O som sagrado *

Pensar a cultura brasileira é uma tarefa árdua. O mais difícil é ir condensando-a até um denominador comum entre Amazônia e Rio Grande do Sul. Tarefa ingrata esta. Mas algo é certo: a mesma África que deu as batidas para os ritmos caribenhos, nos trouxe o calipso, o axé, o samba e por aí vai.

Identidade, esta palavra ampla e tão vezes desconexa, pode dar a pista ao que procuramos, ou não. Veremos. Porque, um não-brasileiro pode tentar sambar toda a vida e não conseguir, e irá achar a falta de molejo algo exótico. O brasileiro que não sabe sambar se sente mal, um deslocado em seu país. Mais que isto, só quem é brasileiro, mas tupiniquim de verdade, sabe do orgulho que é ouvir Garota de Ipanema em Nova York, ou em alguma cidade interiorana do Paquistão. Think about it.


Tente ouvir “Água de chuva no mar” na voz de Beth Carvalho sem sentir o pé marcando o bumbo e as mãos num compasso afiado. Tente ouvir “Canto de Ossanha” e, logo em seguida, afirmar que você é branco, completamente caucasiano. Não dá. Tente ouvir “Maricotinha”, de Caymmi, sem sentir uma melancolia gostosa, a melancolia verde amarela, a utopia que não veio. Tente cantar “Chega de Saudade” imitando a prosódia de João Gilberto, mas só tente. Tente sambar, simplesmente. Tente fazer um samba. Tente ser Cartola, ser o Belo, por que não? Tente ouvir “Construção”, de você-sabe-quem, sem sentir vontade de fazer a vida valer à pena de fato, sem perder nenhum minuto no marasmo imbecil que é a vida de todo operário, e todos somos operários. Tente sambar, simplesmente. Tente ir ao Sambódromo e ver a terra tremer com o estandarte da Estação Primeira sem se tornar mangueirense ou adotá-la como segunda escola. Tente ouvir pagode sem preconceito, e se conseguir marcar definitivamente onde termina o pagode e começa o samba, me avise, ficarei feliz em saber da sua genialidade musical. O mesmo com a bossa-nova e vá demarcando. Tente ouvir “Águas de Março” e depois tente dizer: é jazz, é jazz, não é samba, não é samba. Tente ouvir Marcelo D2 sem refletir sobre o que é Brasil, sobre o que é nossa música. Tente ouvir Roberta Sá sem pensar: o samba está em boas mãos. Tente sambar, simplesmente.
Se não conseguir fazer metade do que propus, ainda há tempo. Se nunca pensou em nenhuma delas, você é - como diria Kipling - um idiota, meu filho.

*Coluna dedicada ao vigésimo aniversário de Carolina Borges, minha luz.

(Guilherme de Carvalho)

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Cariocas não gostam de dias nublados

Não pára de chover no Rio. Há algo estranho,vão dizer que é o aquecimento global, pois el niño já está fora da moda tem um tempo. Não pára de cair água por todos os lados, em todos os lugares, o Brasil súbito parece estar se transformando num país que só chove. Que explicação? Nenhuma, querido leitor, machadianamente falando.

A cidade (leia-se trânsito) vira e mexe já parava em alguns trechos conhecidos dos cariocas. Agora ela pára por completo. Pode ser o movimento de compras natalinas (salve Lula!), mas acredito mesmo na visão de que o Rio está chegando ao seu limite transitório. Primeiro, porque toda a estrutura arquitetônica da cidade foi feita exclusivamente para dias ensolarados. Segundo, porque a organização das ruas nunca foi pensada, resultando no caos urbano em que estamos atolados até o pescoço. É muita ruazinha e muito carro. Choveu, meu filho, dá merda.

Carioca é aquele tipo de gente que pensa em faltar compromisso porque está chovendo. Acorda, olha pela janela aquela chuvinha gelada e pensa: ah, acho que estou doente. Carioca é o sujeito que mede a chuva. Gotinha nível um, nível dois, nível três, nível quatro... enchente, desabamento de encostas. Carioca é daqueles que pensa que se pode tirar bom proveito de engarrafamento: ah, pelo menos tô admirando a Lagoa! Carioca é um tipo humano que em pleno século XXI acha que o sol tem humor. “O sol ta se escondendo hoje”, “Ih, o sol ta alegre, vistoso...”, ser carioca é padecer no paraíso.

Olha, quem é carioca sabe, chuva, seja ela qual for, dói e é gelada. Carioca que é carioca não tem casaco. Fica sempre naquela de “tenho que comprar um casaquinho pro inverno”. Que inverno, imbecil? Esse inverno nunca chega. Mas pelo andar da carruagem de dezembro de 2008, acho que a coisa está ficando braba. Minhas espinhas doem com o frio. Vinte e dois graus já é calamidade pública, ou, como dizem por aí, é o mundo se acabando.

Sem mais delongas, me despeço. Tenho que sair e adivinhe... Está chovendo. Acho que estou doente. Um guarda-chuva e adeus.
(Guilherme de Carvalho)

sábado, 13 de dezembro de 2008

O dia que o Brasil invadiu a Argentina

Derrubaram a estátua esculpida em pedra do Maradona, oras, foi a primeira atitude. Picharam a casa rosada com os dizeres: perderam as Malvinas, abaixo a Argentina! Quebraram todas as casas de tango e instalaram quadras de escolas de samba baseadas num jogo argentino de apostas em animais, um jogo desconhecido dos brasileiros. Depredaram as escolas, pensaram: há muita gente estudando aqui nesta bosta! Depois foram coisas menores... Obrigaram aos jovens argentinos a leitura do livro de catecismo, trocaram peso por real, abriram mais quinhentos e cinqüenta e sete mil novos botequinhos, implantaram mais treze feriados nacionais (mais nove só para Buenos Aires), entre outras cositas mais (bife de chouriço virou “picanha”).

Depois, teríamos de pensar, afinal, que para transformar outro país no Brasil, consistiria preliminarmente em pensarmos o que (por favor, alguém me ajude agora) tornou o país verde-amarelo no que é hoje. O que quer dizer: para que a Argentina seja o Brasil é preciso fazer o quê? O que quer dizer, na verdade: para que o Brasil seja a Argentina que seja o Brasil é necessário o quê? Complicado, mas coerente. Explico. Troco um novo parágrafo por uma vaga de suplente no senado. Feito. Vamos lá...

A começar pela bandeira, tudo errado. Coisa mais carnavalesca que cismam em nos dizer que significa verde das matas, azul do céu, amarelo do ouro, branco da paz ( essa é ótima!) e ordem e progresso de... ordem e progresso, piada com fim em si mesma. Hino: aula de sintaxe. Quem entendeu já morreu e quem não entendeu, ficou sem entender. Guerras? Um genocídio no Paraguai (coisa de valente, brava gente brasileira) e alguns levantes dentro do território, mas todos esmagados. – Guerras da época colonial não valem, pois as mesmas eram resolvidas por portugueses, como queremos demonstrar – A Argentina, no mínimo, se levantou contra a Inglaterra em 1982. Já a brava gente brasileira, comprou a Independência, comprou o Acre (entre outros pedaços), comprou escravo, comprou a família real, comprou a queda da ditadura militar e só não comprou a língua portuguesa porque esta nos foi dada. A ditadura militar brasileira torturou sem piedade como a argentina, mas não só a esquerda lá era mais ousada e numerosa como as forças armadas eram mais valentes. Já o exército brasileiro... “Braço forte, mão amiga.”

Sem querer comparar, longe de mim, mas se meu texto não é patriótico, vamos à definição de patriotismo para as duas nacionalidades. Para o argentino, patriotismo é: se não estiver bom, um milhão na rua fazendo panelaço e quebrando tudo em Buenos Aires. Para o brasileiro: votar consciente (?) e saber a data do próximo amistoso da seleção brasileira de futebol, que ao contrário do que muitos pensam NÃO é uma instituição oficial, mas a empresa particular das famílias Teixeira, Havelange e Marinho. E está dito.

E capital? Parágrafo curto: quem mora em Brasília? Quantos sobreviveram à Cruzada de ir até lá protestar?

Poderíamos ir mais longe, tocando a ferida com o dedo encardido e sal grosso. Mas melhor não humilhar, só lançar a sementinha do mal. Sou brasileiro, infelizmente; tenho de carregar esta cruz (que Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim carregava até no nome). O que quero dizer de maneira rasa e chula é: antes de xingarmos os argentinos, melhor pensarmos se somos superiores, se temos moral para isso. Refletir também sobre o porquê de não quererem que gostemos deles, sequer nos inspirarmos. E é com o coração apertado que deixo esta crônica. Um piparote e adeus.

(Guilherme de Carvalho)
***
"Ser valente é muito mais fácil do que ser homem".
(Julio Cortázar – Escritor argentino)

"Há no PT
a idéia de que ou você é petista ou é calhorda, assim como o PSDB acha que você ou é tucano ou é burro".
(Chico Buarque – artista faz-tudo genial brasileiro)

sábado, 6 de dezembro de 2008

Um estrangeiro

Que vontade de sair andando por aí com Dostoievski, em russo, debaixo do braço, para que perguntem: você sabe russo? Ah, sei ler um pouco. Todo mundo iria ficar com aquela carinha de bunda como quem diz “nossa, que culto.” Mas eu explicaria: entendo russo porque meu pai era militante do partido comunista e foi ajudá-los no desmonte do regime em 1991, e lá morei até 1996. Fui alfabetizado nas duas línguas. Seria engraçado, eu riria por dentro.

Ler húngaro, talvez. Depois de ler Budapeste, do Chico Buarque, você quer mesmo é aprender húngaro e escrever um poema no corpo da amada. Ver o país pelo Google Earth não é a mesma coisa que visitá-lo. Que autor eu leria em húngaro? Não conheço nenhum. Quem aprende húngaro lê tcheco, ou não tem nada a ver? Porque senão dá pra ler o Kafka. Daí eu poderei andar com O Processo e dizer que leio tcheco através do húngaro, mas que acho russo mais difícil.

Aprender francês para ler O Estrangeiro, de Camus, parece ser uma escolha acertada (quando digo aprender, quero dizer carregar o livro). Será que o sr. Mersault é o mesmo em todas as línguas? O sol do livro é mais quente quando se mora no Brasil? E se eu souber espanhol? Será que o García Márquez me fará chorar de novo, ou a tradução do Eric Nepomuceno é que me trazia as lágrimas?

Juro. Se aprendo o espanhol, parto para o basco, que é a língua dos sonhos de qualquer louco. Não, não conheço nenhum autor basco, mas posso procurar. Ou mandar fazer uma camisa escrita “eskerrik asko”, “ez dago zergatik”, que simplesmente significa (juro), respectivamente, “muito obrigado” e “de nada”. Se me perguntarem o que está escrito, mudo de assunto. Posso afirmar que são dizeres de uma seita secreta e que se eu disser, a pessoa corre risco de vida.

Mas a pior de todas as hipóteses é: o que não consigo ler mesmo, não importa o esforço, é o tal do Guimarães Rosa. Que língua secreta é mesmo essa em que ele se debruça? Húngaro? Russo? Romeno? Disseram-me que é português, português de verdade. A partir daí o que fica claro é que não sei a minha própria língua. Não falo língua nenhuma. Entro num shopping e falo inglês, aprendi com os filmes. Mas no caixa, com a menina e a registradora, sai um som estranho da minha boca. Sou culto, carrego livros, não os leio, ligo o computador e a internet e não estou perdido. Mas aquela Gramática do Português, ainda não decifrei. Não sei que língua falo. Sou um estrangeiro em minha língua. Mas já estou me parecendo com o sr. Mersault, e essa é outra história...
(Guilherme de Carvalho)

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Na crise, nada como alguns condicionais*

*de Roberto DaMatta, publicado em O Globo em 26/11/2008:

E se o nariz de Cleópatra fosse menor? E se você tivesse sido aprovado no exame da Escola Militar? E se Bentinho tivesse estudado em Harvard? E se os economistas realmente entendessem a crise? E se as leis fossem honradas? E se os holandeses tivessem colonizado o Brasil? E se a sua mulher tivesse tido um caso com aquele carinha de costeleta e bigodinho, metido a cantar boleros? E se o Diabo que você viu naquela madrugada, aos dez anos, aparecesse de novo? E se Papai Noel existisse? E se você fosse negro, gay e judeu? Ou uma loura gostosa? E se Maomé tivesse se convertido ao cristianismo?

E se o Positivismo de Augusto Comte não tivesse sido tão popular no Brasil? E se você tivesse ficado perdido para sempre naquele parque de diversões? E se o navio de Darwin tivesse naufragado a caminho das Ilhas Galápagos? E se o avião tivesse caído? E se você não fosse tão invejoso? E se não houvessem mulatos, morenos, pardos, cabo-verdes, mamelucos, cafuzos, curibocas, mestiços, morenos puxados, roxinhos, neguinhos, brancos-baianos e escurinhos no cenário das peles nacionais? E se Oliveira Vianna tivesse lido Émile Durkheim? E se não existissem titias e babás? E se não existisse o ´mais ou menos´? E se aquele índio tivesse deixado você no meio do mato? E se você não tivesse tido aquele professor? E se o barão de Drummond não tivesse inventado o jogo do bicho?

E se não existissem doenças incuráveis? E se Ary Barroso não tivesse feito Aquarela do Brasil? E se os jornalistas brasileiros não tivessem lido H.L. Mencken? E se não tivéssemos carnaval e procissões? E se não houvessem compadres e amigos do coração? E se Gilberto Freyre tivesse estudado na USP e o Florestan Fernandes fosse pernambucano?

E não existisse o Plano Real? E se você não tivesse escrito aquela carta e enviado ao ministério aquela lista? E se não existisse esmola? E se acabássemos com a arrogância? E se os adultos da sua casa não lhe tivessem enxotado quando falavam de sexo? E se a crise nos tornar ricos e os Estados Unidos pobres? E se as mulheres fossem feias? E se o Diabo fundasse uma igreja? E se em vez de cineastas tivéssemos diretores de cinema? E se os políticos eleitos cumprissem o que prometeram? E se o mar virasse sertão? E se você fosse a pessoa mais famosa do Brasil? E se não houvessem drogas? E se você ganhasse milhões na Mega Sena? E se você fosse o Brad Pitt? E se você fosse índio? E se Cristo voltasse glorioso, julgando os vivos e os mortos? E se os operários do mundo se unissem? E se todos acreditassem no Credo? E se você soubesse que iria morrer dentro de duas horas? E se Pedro Álvares Cabral tivesse descoberto a Argentina? E se você tivesse morado na Montanha Mágica?

E se seu pai voltasse do túmulo? E se os bichos falassem? E se houvesse pão para os pobres? E se a Revolução Russa tivesse ocorrido da Alemanha? E se a ópera não tivesse sido inventada? E se Machado de Assis fosse alto, branco e tivesse nascido num palacete? E se você não tivesse assistido ao filme Cantando na Chuva? E se D. João VI não tivesse vindo para o Brasil? E se falássemos holandês? E se você tivesse tido uma governanta francesa? E se você tivesse escrito Grande Sertão, Veredas? E se tivéssemos tomado o Pão de Açúcar com café com leite? E se Hitler tivesse sido um bom arquiteto? E se não existisse esquerda e direita? E se deixássemos de mentir? E se não tivéssemos futebol? E se o Lula não tivesse sido eleito? E se os espíritos se manifestassem em massa?

E se os intelectuais fossem a praia em vez de beber? E se não tivesse havido o golpe? E se você soubesse onde mora a felicidade? E se fôssemos todos bonitos, inteligentes e podres de rico? E se todos os bandidos fossem presos? E se o Papa doasse o Vaticano? E se em vez de três, você tivesse dez filhos? E se não falássemos a mesma língua? E se você fosse um deficiente físico? E se não tivéssemos praia e pastel? E se não tivéssemos tido escravidão? E se não existisse poesia? E se você pintasse como o Pancetti? E se você fosse mais comunista que o Prestes?

E se não tivesse existido hiperinflação? E se todos obedecessem aos sinais? E se ninguém falasse nome feio? Se não existisse guerra? Ou malandragem? E se o Olavo Bilac aparecesse no programa do Faustão? E se você tivesse descoberto a Pasárgada? E se não existisse violência? E se você fosse poliglota? E se o amor acabasse? E se não sonhássemos? E se ninguém morresse? E se você fosse burro? E se Freud não tivesse nascido? E se não tivéssemos dívidas? E se todos fôssemos lúcidos? E se não existisse o ´se´?

Respondendo a metade, você vira ´filosofo´. Deixando todas as questões sem réplica, você continua normal. Agora, se você jamais pensou em nenhuma delas, és - como diria Kipling - um idiota, meu filho.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

O Declínio do Império Americano

Aquelas pessoas que gostam de pôr siglas em tudo podem ficar contentes, inventei uma nova. Trata-se do D.I.A., sigla para Declínio do Império Americano, que por ser extenso demais no nome, necessita ser abreviado. Ainda mais agora, que a expressão entrará na moda jornalística, e será repetida aos quatro cantos com uma musiquinha de fundo: "China é a Salvação!". A imprensa já iniciou seu programa anti-americanista, anti-imperialista, coisa que não entendi muito bem. Como se pode ver, a mídia internacional é muito i-de-o-ló-gi-ca.

Ficamos anos e anos com uma garrafa de coca-cola no relicário e na geladeira, e agora vamos renegar todos os americanismos em nome de uma nova ordem internacional. Já está tudo marcado: a crise é o princípio do fim. Fiquei sabendo que já há escolas americanas sem saber o que ensinar nas escolas, e o material didático terá que ser totalmente reformulado. "Como assim, não somos mais os donos do mundo?" Ok, ok, vamos raciocinar.

Tem um lado bom de tudo mudar? Sim, ao meu ver, os EUA poderão a partir de agora, olhar toda a América como sua irmã gêmea, parida sob as mesmas condições e na mesma época, e não mais como a irmã bastarda, prostituta, que se coloca no canto do quarto e se finge esquecer... Há americanos inteligentíssimos, muitos, pessoas legais, alegres, humildes, pessoas comuns, seres humanos de carne e osso, e não hambúrguer e donuts.

Esses últimos anos foram difíceis. Não é fácil para uma geração tornar-se adulta com George W. Bush no poder. E vejam só, as coisas mudam tão rápido que uma nova geração crescerá vendo a China no topo. Fico imaginando aqueles cursos de mandarim pra tudo quanto é lado no Rio de Janeiro, internet com ideogramas, será engraçado.

Outra Guerra Fria? Pode ser, mas será bem fria mesmo, porque a galera parece que não anda muito disposta a guerrear, parece meio cansativo. Presidir grandes corporações, explorar e engordar parece mais interessante do que matar por ideologias. E nessa altura do campeonato, que ideologias? O muro caiu, o império americano desmorona, e vou deixar a melhor dica da década. Abra sua loja China in Box. O yakisoba é o novo big mac.

(Guilherme de Carvalho)

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Por que Calcanhotto?

A política anda chata. É só passar a época de eleições que tudo volta ao marasmo. Longe de Brasília, nós ficamos sem saber as verdades, porque a Globo conta o que quer contar. Temos que ficar fuçando as notícias na internet, em blogs de fascistas, procurando aquela verdade boa de ser repassada. Portanto, politicamente não tenho novidades. Deu-me vontade de falar de Adriana Calcanhotto. E por que a gauchinha?

Na verdade, não é por que ela. Mas, por que não Maria Rita, Marisa Monte e Ana Carolina? Bem, para começar, Maria Rita nem conta, é só um fenômeno publicitário do ponto de vista de lá para cá, e psicológico, de cá para lá, no sentido de que ficou famosa enquanto não digeríamos a morte de sua mãe. Sua voz não tem a menor chance de ser comparada com a de Elis. Maria Rita é chata, pedante, tem um grito esgarçado que tenta copiar e colar de sua progenitora. Faz mal os vocais quando acompanha alguém. Dá pra ouvir o zombido irritante ao final de "Rodo Cotidiano", no Acústico MTV d'O Rappa. Não sei como o Falcão agüentou. Maria Rita é o tipo de artista que usa o passaporte para fazer show no Japão. Lá, eles pagam bem, mas não entendem nada de qualidade musical ( Desculpa!).


Marisa Monte é até mediana. Pupila de Nelson Motta, outro imbecil, ficou famosa com "Bem que se quis", uma das canções mais bobas e bregas da MPB. Agora, Marisa paga pau de sambista da Lapa, mas já cantou "Amor, I love you", que, convenhamos, é uma pérola do mau gosto. O projeto Tribalistas, a meu ver, é um primor, uma exceção. Em todos os quesitos é perfeito. Um disco onde as letras são populares e refinadas, os instrumentos não-convencionais bem colocados, a percussão e vocais na medida certa, enfim, tudo foi extremamente pensado por gente que entende mesmo de produção musical. Mas nem assim Marisa deixou aquela voz melosa que penetra em seu ouvido da pior maneira possível. Também pedante, não gosta dos fãs, mas ela não é o João Gilberto para ter essa atitude desprezível. Sei que muita gente vai me descascar, mas democracia é democracia. Pra completar, a revista Rolling Stones afirmou que Marisa é, atualmente, a melhor cantora brasileira. Tem louco pra tudo.


Deixei o melhor pro final. Ana Carolina. Por que ela grita o tempo inteiro? É pra mostrar que tem potência vocal? Ela já não é famosa? Por que falar de cinco em cinco minutos que é bissexual? Por que gravar "Eu comi a Madonna" e "Cristo de Madeira"? Por quê? Por quê? São as perguntas que eu deixo.


Agora, Adriana Calcanhotto é de longe a melhor cantora brasileira. Suas escolhas de canções são excelentes. O violão parece ter nascido junto a ela, feito siameses, e sua voz uma extensão da última corda, sublime. Calcanhotto teve a decência de gravar a música de Fagner para o lindo poema chamado "Traduzir-se", de Ferreira Gullar. Gravou "Inverno", musicado em cima do poema de Antonio Cícero. Mais, ela não sofre de desafinação crônica, e suas declarações são sempre lúcidas. Calcanhotto é simpática, verdadeiramente culta, revelou-se excelente escritora recentemente, enfim, é artisticamente a mais competente entre as citadas e as não-citadas. E cá entre nós, é também um chuchuzinho (hehehe). Deixo esta crônica com a letra magnânime de "Inverno", certamente uma das músicas mais bonitas da MPB. Mas, tudo isto, é opinião.


Inverno

Adriana Calcanhotto, Antonio Cicero
in: A Fábrica do Poema 04:39
in: Público (DVD)

No dia em que fui mais feliz
Eu vi um avião
Se espelhar no seu olhar até sumir
De lá pra cá não sei
Caminho ao longo do canal
Faço longas cartas pra ninguém
E o inverno no Leblon é quase glacial
Há algo que jamais se esclareceu:
Onde foi exatamente que larguei
Naquele dia mesmo
O leão que sempre cavalguei?
Lá mesmo esqueci
Que o destino
Sempre me quis só
No deserto sem saudade, sem remorso só
Sem amarras, barco embriagado ao mar
Não sei o que em mim
Só quer me lembrar
Que um dia o céu
Reuniu-se a terra um instante por nós dois
Pouco antes do Ocidente se assombrar

© Editora Minha Música

(Guilherme de Carvalho)

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Dadão de Bangu

Vou escrever algo socialmente reduntante: Dado Dolabella é um imbecil. Primeiro (talvez), foi o episódio com João Gordo na MTV. Pra quem não lembra, não custa nada recordar. Dado levou uma maleta que continha um machado e uma corrente ao programa de João e quebrou a mesa, numa demonstração babaca de sua imbecilidade retumbante. Agora é "acusado" (ô lei ruim), de ter agredido sua ex-noiva Luana Piovani e a tal de Esmê, uma pobre senhora.

Pensemos: Dado Dolabella é um fato isolado? Não, claro que não. Ele somente faz parte da classe de playboys mimados, nascidos no berço da transição democrática, que não tinham nada no qual se preocupar enquanto a economia se estabilizava. Dado nasceu em berço de ouro, de uma mãe artisticamente irrisória, que em toda a sua vida trabalhou menos do que Luana Piovani em 32 anos. Seu pai até que trabalhou mais, mas era preso a um tipo de personagem, machão e putão. Coincidência? Talvez.

Nunca fui fã de Luana, nem nunca a achei a mais bonita das mulheres. Seu blog é teen. Ela parece uma menininha de 14 anos, talvez seja, e essa é a sua beleza. Pensemos: Luana jamais se casou, não tem filhos, teve muitos namorados, mas tudo isso para desaguar numa situação como essa, de denúncia. Tivesse ela não sido essa "doidinha", teria fatalmente se calado, casado e apanhado outras inúmeras vezes. Obrigado Luana, por dar o exemplo.

Quero que Dado vá para a cadeia, seja namoradinha de preso, chacota, que veja que há presos mais cantores e atores que ele, mais malvados e mais temidos. O Dado queria ser Dadinho, Zé Pequeno, mas agora ele será o Dadão de Bangu.

***
Pérola de Dado: "Isso é coisa nossa, não era para ter tomado essa proporção". Já dizia o Cobrador de Rubem Fonseca, "só rindo".

(Guilherme de Carvalho - 06/11/2008)

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Brasil: pintura de Dalí


O Brasil é surreal, eu já disse isto aqui noutra crônica. Certa vez o cantor Tim Maia lançou a máxima: "o Brasil é o único país onde pobre é de direita." E posso acrescentar: o Brasil é o único país onde pobre, preto e judeu são de direita. Talvez não o único, mas com certeza com uma singular modalidade.

O Brasil é um país onde rico se diz "social-democrata", vota no PSDB e DEM e acha que pobre é preguiçoso. Mas acha legal Restaurante Popular porque o Estado tem que agir de alguma forma na pobreza. É um país onde ter uma ideologia significa torcer para um time da primeira divisão, e onde os únicos partidos que quebram o pau na rua são as torcidas organizadas. É um país onde DJ Saddam é comunista e candidato a vereador pelo PCdoB, mas Oscar Niemeyer é a versão masculina de Dercy Gonçalves. É um país onde ser de direita é moda, ser de centro é moda, ser de esquerda é moda, mas gostar de micareta e rave são preferências musicais. É um lugar onde Tom Zé é gênio e Chico Buarque, chato pra cacete. É um país onde o povo é sempre oposição: Collor é um merda, FHC um merda, Lula menos que merda, mas Aécio Neves, ah!, esse tem tudo pra mudar as coisas.

O Brasil é um país onde Ministério da Educação é coisa séria, mas o do Meio Ambiente é só uma piada. É um país onde se acha que o projeto das usinas de Angra dos Reis foram feitos para "suprir" a malha de energia. É um país onde pobre compra Tropa de Elite e acha o Cap. Nascimento um puta dum herói. É um país onde aprovação automática é o fim da picada, mas reprovação automática nem existe, porque pobre é burro mesmo. É um país onde filhos de um banqueiro multimilionário pedem patrocínio para seus filmes. É um país onde a Cultura não detém nem 1% do orçamento. É um lugar onde padre é comunista e favelado é protestante.

O Brasil é um país onde prostituta, travesti e homossexual em geral são o mal da nação, mas Clodovil é eleito com recorde. É um país onde se acredita que AIDS só se pega de gay, mas se o seu pai aparecer com a doença ele é apenas um machão sem sorte. É um país onde o aborto é um absurdo, mas se a sua filha adolescente engravidar, Deus perdoa um abortinho. É um país onde Nossa Senhora é Aparecida, mas criança sumindo faz parte do sistema internacional de pedofilia, coisa normal! É um país onde o partido de esquerda mais radical não é o PSTU nem o PCO, mas o Comando Vermelho, que desistiu de discutir e foi para a "práxis" há três décadas. É um país onde Olavo de Carvalho (vide google; e não é meu parente) é um intelectual importante, mas Lula é só um semi-analfabeto boçalóide.

Enfim, dá ou não para achar que Salvador Dalí pintou essa merda aqui?

(Guilherme de Carvalho - 04/11/2008)

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Socialismo remoto


Por esses dias, estive tentando lembrar qual havia sido o meu pensamento mais remoto do que eu viria a saber que tem o nome de socialismo. Costumo recordar que na adolescência, conversando com amigos, chegávamos sempre à conclusão de que algo estava muito errado no mundo. Que não fazia sentido comer até se empanturrar no Bibi Sucos do Leblon e ver mendigos famintos. Não tínhamos feito nada a mais do que ninguém para merecer mais ou menos, nem nossos pais.
Ontem, lembrei de um fato singularíssimo. De 1995 a 2003, estudei num colégio católico chamado Colégio Nossa Senhora da Piedade. Irônico, não?! Lá, o pátio é enorme, possui algumas árvores, uma cantina embutida, pilastras de pedra grandes, e uma, uma só mesa. Tal mesa era objeto de vista e de pensamento, dado que eu a olhava incessamente, tentando entender por que quem descia primeiro para o recreio podia sentar nela, e quem chegava depois tinha de comer no chão, com a sua lancheirinha encostada na sujeira dos pombos católicos.
O socialismo é um pensamento tão básico (quando não tentam complexificá-lo desnecessariamente), que até uma criança do primário pode entender que todos deveriam comer na mesa, ter a mochila de carrinho e o tênis que liga a luzinha. Se todos os esquerdistas passassem a olhar a causa com olhos pueris, talvez começariam a parar de criar mais ramificações de nomes de pensadores mais "ismos" acrescentados ao final da palavra. É preciso olhar a causa, não como emissão do intelecto, mas como reação à desigualdade. Como demonstração da força social, e não como base partidária.
E continuo a ver aquela mesa, à minha frente, na memória... E em toda parte...

(Guilherme de Carvalho - 03/11/2008)

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Brothers mimados, já era!



Acabo de ler que amanhã, sexta feira dia 31, haverá uma passeata pacífica e apartidária na Cinelândia. O objetivo é criticar e pedir providências a partir das suspeitas de irregularidades nas eleições municiPaes do Rio de Janeiro. A concentração será ao meio dia, e a saída às treze horas. Legal, legal. Mas vamos parar e pensar: o que é isso senão um monte de estudantezinhos de classe média mimados que não sabem perder? Galerinha, brothers, micareteiros, aceitem a derrota, bicho! O que vão fazer depois, seqüestrar embaixador? Não, não, vão bater pezinho na Alerj do PMDB. Pera lá, temos muito que aprender. Tudo bem, foi legal a nossa participação na candidatura do Gabeira, mas já foi, perdemos. Por que vocês não batem na porta de quem estava tomando solzinho em Búzios enquanto o Gabeira perdia votos? E outra, vocês são 10 mil, contra 55 mil cariocas que acham que o senhor Eduardo Paes é melhor. Isto é democracia. Se ela é perversa no Brasil, com suas regras infames, azar o nosso. Poderia ser pior, imaginem se a vitória do Paes fosse por colégio eleitoral?
E eu pergunto: cadê estas manifestações quando todos aqueles velhos problemas atingem o Rio? Cadê a manifestação contra o Pan? Cadê contra milícias? Não estou entendendo a algazarra. O pior, é que vamos dar razão a todos aqueles que acham que estudante universitário só sabe fumar maconha e ficar em boteco. Somos muito mais que isso, e aceitar essa derrota é uma boa maneira de entendermos o processo eleitoral brasileiro. Se vocês não sabiam como era, agora estão sabendo. Quem sabe na de 2010 a gente não começa mais cedo a reclamar. Como disse Arnaldo Jabor, agora não adianta chorar pelo chopinho derramado...

***
Adendo:
Acabo de saber que havia um cartaz escrito: "Contra o Cinismo, abaixo o Comunismo!"
Essa passeata estava mais para versão teen da Marcha da Família com Deus pela Liberdade...
(Quem não sabe o que foi esta marcha, vide google)

(Guilherme de Carvalho - 30/10/2008)

Ah, esse rocambole de partidos...


Hoje, 30 de outubro de 2008, Cora Rónai, que escreve para o Segundo Caderno de O Globo, escreveu o que muitos de nós escreveria. Por isso, passo batido nessas opiniões e apenas abro aspas para ela. Disse: "A foto que ilustra esta crônica foi feita na segunda-feira, dia 27, por Heliana Laura Oliveira, sócia do Flamengo que, na saída da piscina, fotografou outro sócio, o deputado Fernando Gabeira. Apenas um homem comum, um homem de bem, em paz com a sua consciência. Um homem que não precisou fazer alianças com bandidos nem rastejar pela lama de uma campanha imunda para despertar o entusiasmo dos eleitores."
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Mudando o rumo da prosa, mas não tanto, começou e em ritmo louco a corrida pelas eleições de 2010. Um rocambole de salada de frutas insano, onde o garotão queridinho de Minas e das misses, Aécio Neves, do PSDB, fala de uma aliança com o PT de Minas. Mas tá tudo bem, vamos vivendo, e quando a campanha estourar, vamos ver o que restou do PT, o imbatível e indefectível PT. Sei que tem gente que odeia quem fale mal do PT, mas vocês hão de convir que este partido partido já perdeu o rumo tem tempo. No Rio de Janeiro, ele é o partido que forma a base governista, que apóia as milícias, que nada mais são do que a velha e boa direita moralista. Trataremos delas num momento oportuno. Mas, o mais importante agora, é perceber e alertar que, o PMDB não vai preferir lançar um candidato próprio à presidência da República em 2010, porque é muito, muito melhor, ficar fora do foco pegando as presidências das casas legislativas de Brasília e de todo o Brasil. O PMDB reforça seus poderes nas regiões, que parece rarefeito, mas é muito forte. Apoiar a Dilma Roussef é a melhor escolha para um partido enorme, mas sem nomes interessantes, populares e principalmente competentes. Agora, lançar o Michel Temer, presidente do PMDB, para a presidência da Câmara é perfeito, porque sabemos, aquela merda lá é uma mina de ouro que não acaba mais.
Peço a vocês, que lerem o blog: comecem a se proteger de Aécio, esse Collor com cara de bom moço, que é intransigente com os jornalistas, e que gastou 550% além do previsto com propagandas de seu governo. O PSDB tem que ficar no seu devido lugar, que é apoiando outros partidos, dando seu espaço na televisão, como foi com o PV do Rio. Mas a cada vez que penso e penso, uma vitória do PSDB em 2010 é quase certa. Vamos esperar.

(Guilherme de Carvalho - 30/10/2008)

Não durmam, senhores


Vamos ficar na cola de Eduardo Paes. Ele terá muito trabalho para cumprir todas as promessas. Unir o Rio? Impossível. Uma cidade dividida como essa, que tem Manguinhos e Leblon na mesma jurisdição, só pode ser irreal, surreal, sobrenatural.
O número do seu processo no TJ-RJ é 2008.001.070976-3. E assim, estou me sentindo um pouco Diogo Mainardi, da Veja, que durante o governo Lula tem feito ferrenha oposição, às vezes lunática, desnecessária, mas feito oposição. Só que no nosso caso, está tudo nos jornais, na internet, está tudo na nossa cara. Basta prestar a atenção ao que realmente interessa.
A Globo está fazendo uma campanha anti-paes, mas sinceramente, até agora não entendi o motivo. Alguém lá dentro ficou muito putinho com a eleição. Esta, tão apertada, que me parece que os chefões da Globo não sabiam que era esse o desfecho possível. Em todas as outras capitais, a eleição tinha resultados previsíveis, e até aqui no Rio a lógica era a vitória do Eduardo Paes, mas uma corrente louca de esperança, encabeçada pelos jovens, nos fez acreditar na vitória de Gabeira no último final de semana. As Organizações Globo são mesmo esquisitas, pois apóiam de modo tão confuso, que não se tem idéia de onde ela poderá estar em 2010. Mas uma coisa é certa, com a Globo na cola, como é o caso de Paes, vai ser difícil governar. Ou como gostam de falar: administrar.
Paes prometeu desfilar na bateria de alguma escola no Carnaval de 2009. Precisa de popularidade. Mas, ingênuo, passará despercebido na cobertura monopolista das empresas da família Marinho. O que ele precisa mesmo é atingir a internet, dos jovens, e a classe média. Vai se desdobrar tanto nisso que se esquecerá das Upas e da Zona Oeste, acabando consigo mesmo em pouco tempo. Começo a ver que o derrotado nessas eleições foi o próprio Paes, que antes dormia profundamente em sua magnífica casa na Barra da Tijuca, andava de jet-ski com o filho e sua linda esposa, e agora vai ter que rebolar pra se manter onde está.
Enquanto isso, aguardamos a transição municipal e a Cidade da Música, o Taj Mahal de César Maia. Hoje, no Diário Oficial, o município cobrou das empresas o cumprimento das obras, previstas em contrato. Mas, todo mundo sabe, é só um marketing de “estamos sendo competentes”, quando na verdade as obras estavam previstas para 2004. Estamos de olho, estamos de olho. E quanto aqueles que viajaram, ao invés de votar, espero que fiquem sem dormir a cada criança que morrer de dengue nos leitos das Upas no verão de 2009, um verão que promete ser muito quente e úmido. Quero que não durmam quando seus netos ainda estiverem votando no candidato que promete solucionar o problema dos transportes e da desordem urbana. Quero que não durmam quando a Globo vier, chorosa, com uma reportagem de morte do senhor Fernardo Gabeira, dizendo que não houve nenhuma mancha em sua vida pública. Quero que não durmam, não durmam, senhores do chopinho de Angra dos Reis e Búzios.
(Guilherme de Carvalho - 29/10/2008)

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

2° tempo da esperança


A História é mesmo uma caixinha de surpresas. Ele tem Hussein no nome, minha gente, e quer ser o novo presidente dos Estados Unidos da América. Só por isso já valeria o voto. Um voto de ironia, deixando de lado suas qualidades e defeitos políticos. Melhor do que isto só mesmo um Chefe de Estado israelense de sobrenome Hitler.

Aqui na terrinha, Rio de Janeiro sem mudanças, somente mais do mesmo, mas chega de ladainhas, bola pra frente. Na primeira que o Paes fizer, ar ar ar um Impeachment vai rolar. No entanto, na terrinha do Tio Sam, uma onda de civilidade e progresso está cobrindo aquele país. Não falo sobre a política de lá como se eu fosse um entusiasta da bandeira norte-americana, mas se o mundo inteiro os copia, que venha um bom democrata. Mas Obama é mais do que isso. Obama é negro, tem uma avó doentinha no... Quênia, foi o primeiro negro eleito para um monte de coisas em sua vida, e agora, com grandes possibilidades de ser o primeiro presidente negro. À parte isto, Obama causa medo(em mim não) por suas idéias “socialistas”, como se dividir riqueza fosse, claro, coisa do capeta.

Enquanto John MacCain veste camisetas anti-castristas, Obama sorri, faz discursos acalorados, se concentra no eleitor da região central do país, onde os republicanos costumam ganhar, mostrando que os americanos, pasmem, estão um pouco cansados da velha política belicista. Estão cansados de brigar, de mandar os filhos para a guerra, de ter o mundo odiando um país cheio de pessoas boníssimas. Ou talvez estão com saudades do tempo de Clinton, onde a guerra era conjugal, um boquetezinho pra lá e pra cá com a secretária...

Se Obama vencer, a coisa pode ficar literalmente preta para a população conservadora e racista. Vão se estufar de ódio quando começar uma onda de plebiscitos, como os que acontecerão agora, concomitantemente com as eleições presidenciais, para debater a maconha, o casamento gay, pesquisa com células-tronco, e outras coisas mais. Ou seja, se Obama vencer esta disputa, muita coisa vai mudar lá e no mundo. Com a ganância norte-americana um pouco mais controlada e controlável, talvez o planeta se regule com suas próprias rédeas, e não com rédeas azuis, brancas e vermelhas.

É um duelo histórico. John MacCain é um fiel defensor dos interesses israelenses no Congresso. Obama tem ascendência árabe. Obama (olhem como tem tudo a ver), recebeu apoio de... artistas, MacCain da... Igreja. Obama é só sorrisos, MacCain é historicamente um mau-humorado. E é herói de guerra, não é mesmo? Guerra é com ele mesmo.

Se não deu pro Gabeira em terras brasilianas, quem sabe Obama não ganha aquela budega. Mas que ele tome cuidado, porque o que não vão faltar são neonazistas assassinos, bispos, padres, velhas carolas, todos dizendo: Fora veados, fora muçulmanos, fora cientistas, fora todo mundo, nós queremos porrada, salvem o Cristianismo!!!

(Guilherme de Carvalho - 29/10/2008)

O Dia da infâmia


O dia 26 de outubro de 2008 ficará para sempre na memória do povo carioca. Um dia infame, em que o povo esteve perto de ganhar, e perdeu. Se Fernando Gabeira e a cidade do Rio mereciam alguma coisa, então mereciam ter se encontrado. Mas não, pois no dia da infâmia, quem venceu foi Eduardo Paes.
Ontem, domingo, foram vitoriosos: a velha técnica e prática de campanha, que norteia os objetivos de acordo com as classes sociais, com a função de atingir e deslocar o eleitorado, principalmente o pobre e desesperado; o PMDB, que agora está em Laranjeiras, com Sérgio Cabral, na Alerj de Jorge Picciani, e na prefeitura do senhor Eduardo Paes; ganham também as construtoras e empresas que irão lucrar (e muito) com a possível escolha do Rio como sede da Olimpíada de 2016; ganha o próprio Paes (como todo mundo sabe, o Rio de Janeiro, apesar de ser uma cidade de mais de dez milhões de habitantes, tudo corre à boca pequena), que ficou milionário com o Pan de 2007; ganha o PT, que já vendeu a alma ao capeta tem muito, muito tempo; ganha a Jandira Feghali, que como nunca ganhará uma eleição para cargo administrativo, apoiou quem tinha mais chances de vencer; ganha a parcela conservadora do povo do Rio, que por oito anos (todo mundo também sabe que são oito anos) estará parcialmente livre das prostitutas e dos maconheiros; ganham os marqueteiros safados, que continuarão tendo emprego nesta realidade eleitoral de detalhes sórdidos (panfletos apócrifos e ataques), ou seja, todo mundo ganha, menos o Rio.
Neste final de semana de segundo turno, Eduardo Paes venceu por uma diferença de 55 mil votos. Neste mesmo final de semana, 900 mil pessoas deixaram de votar, em grande parte, funcionários públicos do Estado ou do Governo Federal. Após o resultado do primeiro turno das eleições, o Estado e a União decidiram que o feriado dos funcionários públicos não mais seria dia 28 de outubro (terça-feira), mas dia 27, tornando a saída da cidade mais urgente, num ano de feriadões raros. Gabeira bem que tentou pedir que ficassem, para votar, mas não conseguiu. César Maia, o demônio encarnado, deslocou o feriado para sexta-feira 31, mas não adiantou, 900 mil pessoas, a maior parte da Zona Sul, Centro e Grande Tijuca deixaram de votar. Vitória limpa? Salve Eduardo Paes, o senhor das Upas, aquele que irá nos salvar de César Maia, que apesar de ladrão e avoado, tinha mais de cinqüenta por cento de aprovação. Salve Eduardo Paes, que é réu numa ação do Ministério Público, acusado de improbidade administrativa quando compunha a Secretaria de Meio Ambiente (de César Maia) em 2002. Salve Paes, que comprou votos por R$50,00.
A esquerda em massa chama Gabeira de traidor. Principalmente pecedobedistas e petistas. Mas se aliar ao PRB e ao PMDB é que é honroso. Engraçado, não? Todo mundo acha o PSDB a encarnação do demônio na Terra, mas o PMDB de Garotinho não, o PRB de Crivella não. É hora de parar com esta história de partido. A eleição no Brasil é personalista, e pronto. O PT já foi um dia uma esperança, hoje é parte do rocambole fétido que forma o espectro partidário do Brasil.
A partir de Janeiro, teremos o fim da aprovação automática e 40 Upas funcionando (?), e nos próximos 8 anos, muita, muita roubalheira e pouca ação. Por que a regra é clara, bom mesmo é não fazer nada, pro PMDB voltar prometendo daqui a oito anos e aquele mesmo povo que acha que Upa e reprovação resolvem todo o problema, votar cegamente na campanha mais cara, naquela que mais emociona. É foda.
Agora, foi lindo o Gabeira, o maconheiro, o viado, o que fuma e cheira, ter chegado a esse segundo lugar de meio Maracanã lotado de diferença. É claro que vão dizer que as classes elitistas e meia dúzia de revolucionariozinhos tentaram elegê-lo, mas a verdade mesmo é que ele chegou lá porque era o mais competente, o que tinha um plano grandioso e de frutos eternos para o Rio. Seria a vitória do progresso, e não da inércia, seria a vitória da saúde pública e não das Upas 24 horas. Mas política é isso, a sujeira sempre, sempre vence.

(Guilherme de Carvalho - 27/10/2008)